Sobre esperar um amor em tempos de pandemia

Eu sugeri no texto de estreia nesta Folha, que contaria uma história de amor, por isso acho que fiquei devendo algo aos leitores. Desta vez, espero ficar menos distante.

Lembre-se de um casal bonitinho, fofo, daqueles grudadinhos mesmo. Assim eram Dario e Dalila: fechadinhos! Eles andavam abraçados, trocando beijos e falando que nem criança um com o outro.

Durante o ano I da pandemia, para minha ingrata surpresa, meu amigo me ligou dizendo que tinham se separado. Ela não quis mais, ele chorou.

Há algumas semanas, Dalila me mandou mensagem preocupada com seus pais, ambos com Covid-19. O pai, de sessenta e poucos, inteirão, mestre de artes marciais preocupava mais pela queda da saturação de oxigênio. Ficamos de conversar no dia seguinte, mas ele piorou à noite e estiveram no hospital. Colheu exames complementares, fez tomografia de tórax, não havia nada que indicasse internação, prevaleceu a alta para observação em casa.

Poucos dias depois Dalila voltou a me procurar, WhatsApp brilhando. O pai piorou: saturação de noventa por cento.

Sugiro hospital, oxigênio e corticoide.

Estamos indo já.

No dia seguinte eu estava no hospital, desta vez na rotina de controle de infecção hospitalar: planilhas, treinamentos, avaliação das prescrições de antibióticos por outros médicos. O telefone toca insistentemente. Não consigo atender nesse momento. Chega mensagem, dessa vez é Dario.

Estou preocupado com a Dalila.

Os pais dela estão doentes, estou preocupado também.

Soube que ela está em aí na emergência de seu hospital com Covid, aguardando transferência!

Dalila? Ontem ela me disse que levaria o pai para o hospital!

Ela levou os pais para uma emergência do plano de saúde deles. Ambos precisaram de oxigênio e internação. Consta que também não conseguiam desgrudar as mãos. Dalila tossia na frente da enfermeira que insistiu em fazer uma medida da saturação de oxigênio. Quando colocou o aparelhinho no dedo, constatou-se que Dalila estava com a saturação pior do que os pais. De lá veio para o nosso serviço porque não tinha plano privado que permitisse permanecer com sua família.

À tarde eu estava na Linha de Frente. Na emergência, encontrei Dalila em um leito semi-improvisado em um consultório usando um cateter de oxigênio, monitorizada, aflita.

Querida! Não disse nada sobre estar passando mal, só seus pais!

Estava tão preocupada com os pais que mais nada percebia.

Eu a avalio brevemente, checo os exames. A equipe da ambulância chega para transferência.

Vai ficar tudo bem?

Os seus exames indicam uma boa evolução! Esperamos! Espero que seus pais fiquem bem também.

Obrigada!

Tem uma coisa: Dario quer saber como você está. Curioso! Fica me mandando mensagem. Você é a paciente, só digo o que você autorizar.

O olho de Dalila brilha algo mais marejante, ela morde o lábio inferior e respira fundo.

Diz tudo pra ele! Sabe de uma coisa? Eu ainda amo muito o Dario!

E assim foi conduzida na maca até a ambulância, com luzes vermelhas reluzindo em seus olhos úmidos.

O rapaz me demanda.

Como está Dalila?

Quer saber se eu a vi. Ligo pro cara.

Fala da Dalila!

Ela me autorizou a falar do quadro dela: está estável. Precisando de pouco oxigênio.

Exames de rins e coagulação estão bons, na tomografia não tinha nada de mais. É um quadro moderado, ela vai sair!

Que bom, cara, que bom!

Ela não me autorizou mas eu vou dizer uma coisa!

Não vai chorar?

Não, cara!

Ela disse que te ama, ainda te ama muito!

Dario começou a soluçar, desligou o telefone e até agora chora, esperante.